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Como escrever um roteiro no formato Master Scenes

Atualizado: 26 de abr.



No artigo anterior, abordamos o que é um roteiro, um pouco da história do formato, seu objetivo e seus elementos fundamentais. Neste texto, iremos introduzir as especificidades da escrita no padrão Master Scenes, regras gerais de formatação e algumas dicas essenciais para quem busca se familiarizar com a escrita de um roteiro de ficção. 


Primeiro, vamos entender os objetivos deste tipo de formatação:


O padrão Master Scenes equilibra-se entre uma história narrada de maneira fluída e um manual para a produção da obra. Em outras palavras, o objetivo é, ao mesmo tempo, envolver o leitor e guiar a produção. 


 “Então devo escrever um manual sedutor?”

Exatamente!


Agora que entendemos o tamanho do desafio, é possível abordar o princípio geral para alcançar um roteiro bem formatado:


Seja conciso


A precisão é uma qualidade fundamental de um roteiro. Ao invés de descrever exaustivamente um ambiente, por exemplo, procure pela palavra ou expressão que sintetize a ideia e ou sensação que deseja transmitir. Há, pelo menos, dois bons motivos para isso: o primeiro é econômico, em um roteiro, não há tempo a perder. Como regra geral, considera-se que cada página escrita equivale a 1 minuto de filme – claro, como tudo, há exceções, uma cena com muitos diálogos, por exemplo, tende a ser mais rápida, enquanto uma cena com mais ações, tende a demorar mais – neste sentido, a não ser que seja fundamental para sua história um plano de extremamente longo sobre um objeto específico, não há motivo para descrevê-lo por linhas e linhas. O segundo motivo é a generosidade, o audiovisual é uma criação coletiva, é, no mínimo, de bom tom incentivar que os demais profissionais envolvidos na realização da obra possam exercer suas funções com liberdade criativa -é possível, é claro, ser um gênio e antever a forma exata como aquela história deve ser contata, mas a dura verdade é que a genialidade é mais rara do que se acredita -, a função de um bom roteiro é encontrar, na forma textual, a melhor indicação para se alcançar a imagem final, imagem esta que contará com o trabalho de todos os demais profissionais criativos envolvidos na produção. 


Caso tais motivos não pareçam convincentes o suficiente, recomendamos um exercício infalível: leia roteiros e os compare com as obras produzidas. Foque em como as descrições são transmitidas para a tela. Analisar a forma como o texto é “traduzido” para a imagem é uma excelente maneira de entender o valor da concisão na escrita audiovisual.  


O hábito de ler roteiros, aliás, é fundamental para qualquer um que deseja escrever no formato, afinal, antes de se aventurar na estrada, é prudente checar os caminhos já traçados – ainda que seja para contrariá-los. Conhecer a aplicação prática do padrão Master Scenes é a maneira mais eficaz de refletir sobre as possibilidades criativas do formato. Assim, tenha em mente que as regras de formatação que apresentaremos a seguir são apenas guias, padronizações gerais - que sim, devem ser respeitadas caso seu objetivo seja se aventurar na escrita de um roteiro de ficção - porém o que realmente importa é compreender como utilizar tais regras para elaborar a melhor versão de uma determinada história. 


Regras de formatação


Já abordamos alguns elementos no artigo anterior, agora, iremos nos aprofundar em cada um deles, apresentando exemplos e dicas gerais:


1. Cabeçalho (Slug Lines)


Possui função determinada: especificar de maneira clara e objetiva ONDE e QUANDO a cena se passa. Em geral, tais informações são apresentadas através de três “setores”: 1.1 O tipo de ambiente, 1.2 O nome do lugar e 1.3 O momento do dia em que a cena ocorre. Por padrão, o cabeçalho é escrito com letras maiúsculas e os “setores” são separados por um “-”. 


1.1 O tipo de ambiente

Determina se o local da cena é um ambiente interno, como uma casa, um escritório, dentro de um carro etc., ou externo, uma calçada ou uma praia, por exemplo. Essa informação é apresentada de maneira abreviada: 


INT. – Para ambientes internos. 
EXT. – Para ambientes externos. 

Caso a cena transcorra com personagens em situação limítrofes, pode-se usar a seguinte forma:


INT./EXT. – Este seria um cabeçalho possível para introduzir uma cena em que um personagem dentro de uma casa, em frente à janela, por exemplo, interage com alguém do lado de fora.

1.2. O nome do lugar

Especificação objetiva do local da cena: CASA DE FULANO, PRAIA DE COPACABANA, da seguinte forma:


INT. – CASA DE FULANO
EXT. - PRAIA DE COPACANA

Não é recomendado adjetivar o local no cabeçalho. Por exemplo, caso seja fundamental que a praia esteja lotada no momento da cena, tal informação deve constar na Rubrica (veja abaixo). 

Caso a ação ocorra em um local específico de um ambiente maior, como, por exemplo, a LAVANDERIA da CASA DE FULANO, ou a “BARRACA 9” da PRAIA DE COPACANA, tal informação é acrescentada após um separador (“/”):


INT. – CASA DE FULANO / LAVANDERIA
EXT. PRAIA DE COPACABANA / BARRACA 9

1.3. O momento do dia

A informação mais comum é se a cena ocorre durante o dia ou durante a noite. Assim, um cabeçalho completo, teria a seguinte forma:


INT. CASA DE FULANO / SALA – NOITE
EXT. PRAIA DE COPACABANA / BARRACA 9 – DIA

Em algumas situações, como o caso de um personagem que atravessa vários ambientes em uma ação contínua, é possível utilizar o indicador CONTINUOUS (ou CONTÍNUO, isto é, de maneira subsequente à ação anterior), como no exemplo abaixo:


INT. CASA DE FULANO / SALA – NOITE
Fulano desliga a televisão e atravessa a sala. 
INT. CASA DE FULANO / CORREDOR – CONTINUOUS
Fulano caminha pelo corredor. 
INT. CASA DE FULANO / CORREDOR – CONTINUOUS
Fulano entra no quarto e se joga na cama. 

Para evitar redundâncias, é possível escrever a mesma cena omitindo as informações repetidas do cabeçalho, nesse caso, é recomendado, porém não obrigatório, sugerir transições na rubrica:


INT. CASA DE FULANO / SALA – NOITE
Fulano desliga a televisão e caminha em direção ao...
CORREDOR – CONTÍNUO
Sonolento, ele atravessa o corredor até o...
QUARTO 
Fulano cambaleia pelo quarto e se joga na cama. 

Outra especificação relativamente comum para determinar o momento em que a cena se passa é o termo LATER (ou MOMENTOS DEPOIS), usado, por exemplo, quando se deseja “cortar” para o mesmo ambiente:


INT. CASA DE FULANO / SALA / NOITE
Fulano assiste televisão jogado no sofá. 
INT. CASA DE FULANO / SALA – MOMENTOS DEPOIS
Fulano dorme em frente à televisão ligada. 

Há ainda outras opções, que não abordaremos aqui pois o intuito não é elaborar um manual exaustivo. Como dissemos acima, as regras de formatação fornecem um padrão geral a ser seguido. Podem parecer uma “barreira de entrada” para quem deseja escrever roteiros, porém, com alguma dedicação e prática, são facilmente superadas. Entendendo e seguindo as principais diretrizes, é possível experimentar (ou, na maioria dos casos, pesquisar casos similares que forneçam) opções para alcançar determinado “efeito” na construção de uma cena.  

 

2. Rubricas (Action Lines)


As rubricas, ou action lines, são um elemento central do roteiro. O debate sobre suas regras e possibilidades será tema de um artigo específico futuramente. Neste guia introdutório, o fundamental é entender a função das rubricas: basicamente, este espaço é usado para incluir descrições de cenário, personagens e ações. Há algumas “regras de ouro” para a elaboração de rubricas:


1º - Escreva na terceira pessoa. 


FULANO pedala pelo parque. Ao avistar um cachorro, ELE freia bruscamente.

O ponto de vista do roteiro, em geral, é o de um narrador observador – trabalhar com graus de onisciência e/ou participação direta pode ser uma possibilidade para histórias e cenas específicas, porém demandam experiência e conhecimento técnico. Primeiro, entenda e pratique o básico: escreva em terceira pessoa do ponto de vista de um narrador observador, isto cria a distância necessária entre o roteirista e o leitor, facilitando que este “visualize” o roteiro sem distrações.  Lembre-se: o roteiro deve emular, de forma textual, a experiência de se assistir ao filme. Isso, aliás, é um dos motivos da próxima regra.


2º Escreva no tempo presente


Ao contrário de um texto de ficção literária, um roteiro não tem como fim sugerir uma realidade “imaginária” através das palavras. O propósito de um roteiro é a materialização do seu texto em uma imagem “real”, ou melhor dizendo, uma imagem realizável. Por isso, construções como: (i) “Fulano lembrava dos tempos de infância ao caminhar pelo parque” ou (ii) “Se ganhasse na loteria, Fulano compraria a casa em que seus pais viveram” devem ser evitadas. Pense por um momento, sem um contexto muito bem construído, como o diretor, ou o ator, deveriam transformar essas frases em uma imagem? Além disso, alguma imagem seria efetivamente capaz de transmitir o que está no texto? Por fim, não há uma grande probabilidade de que cada envolvido na produção da obra visualize uma imagem diferente através dessas frases?   


Escrever no tempo presente evita, em partes, a escrita de rubricas equivocadas como as citadas nos exemplos acima, porém, não resolve totalmente algumas das questões levantadas, vejamos:


(i) Fulano caminha pelo parque. Ele pensa em sua infância

(ii) Fulano faz planos para quando ganhar na loteria


Ambas estão na terceira pessoa e no tempo presente. Porém, analisadas objetivamente não são ações “filmáveis”. Como posso saber o que alguém está pensando simplesmente ao vê-lo caminhando pelo parque? Qual ação imagética traduz de maneira exata “fazer planos para quando ganhar na loteria”. Para evitar este tipo de construção, uma regra dogmática é, quase sempre, repetida para quem deseja escrever um roteiro:


“Escreva apenas o que pode ser filmado.”


Neste artigo, não adentraremos os válidos questionamentos e exemplos que contradizem tal regra – se levada ao pé da letra. De maneira geral, ela serve como um ponto de partida válido para quem está se familiarizando com a forma de escrita de um texto audiovisual. Se este for o seu caso, mantenha em mente que descrições de ações, cenários e personagens devem sugerir uma imagem determinada (por você!). No entanto, até se sentir seguro com essa forma de escrita, pratique traduzir a imagem que deseja transmitir em uma ação/descrição objetiva (“algo que possa ser filmado”), porém, não recomendamos tatuar essa regra a ferro e fogo no meio do peito – no artigo específico sobre as rubricas nos aprofundaremos nessa questão.

 

2.1 Rubricas / Personagens


Ao introduzir um novo personagem no roteiro, o nome deve estar em letras maiúsculas – apenas nessa primeira aparição, nas subsequentes não é necessário. Em seguida, acrescente características essenciais para que o leitor possa ter uma ideia clara e direita de quem é aquele personagem. Indicações como idade, aparência, sinais exteriores de personalidade são alguns caminhos possíveis. Há muitas hipóteses para elaborar uma boa descrição, considere as dicas acima para alcançar a concisão que transmita quem é aquele personagem. 


Vejamos um exemplo:


FULANO, 30 anos, alto, roupas da moda, caminha pelo shopping. 

É uma apresentação um tanto vaga, mas objetiva, não há, à primeira vista, nada nitidamente errado. Porém, as escolhas feitas levantam algumas questões. Por exemplo, há alguma relevância para a história o fato de o personagem ser alto? Se não houver, essa é uma informação supérflua. Caso haja um bom motivo para que o leitor grave essa informação - considere, por exemplo, que se trata de uma narrativa cômica e que este detalhe será motivo de uma piada posterior - haveria uma maneira minimamente engraçada, e sucinta, de chamar a atenção a esse dado? A elaboração de uma boa descrição deve considerar tais questões para alcançar não apenas uma imagem nítida, mas também transmitir o tom da narrativa. 


2.2 Rubricas / Destaques


Além da primeira aparição do nome dos personagens há outros elementos de um roteiro que aparecem em letras maiúsculas, como efeitos sonoros, detalhes e/ou objetos importantes além de indicações específicas de planos. Evite utilizar negrito ou itálico. Caso queira destacar algum momento específico da história, como nas hipóteses citadas acima, opte por letras maiúsculas. Use esse destaque com moderação e certifique-se de que você saiba o que está fazendo. Não abordaremos exemplos do uso de maiúsculas – como dito anteriormente, a função deste artigo é familiarizar o leitor com as especificidades do formato Master Scenes, não elaborar um manual exaustivo.  O uso de maiúsculas não é um tipo de conhecimento avançado muito complexo, mas as possibilidades são várias e abordá-las aqui pode causar alguma confusão. Siga nossa recomendação inicial e LEIA ROTEIROS, dessa forma, você irá compreender na prática as maneiras de se destacar elementos da história. 


3. Diálogos


Em um roteiro, o que os personagens falam não deve ser introduzido nas rubricas, isto é, não utilize frases como “ele diz”, “fulano fala” etc. Para sinalizar um diálogo basta indicar o nome do personagem e colocar a fala abaixo, da seguinte forma:


FULANO

Eu não disse nada disso...


CICLANO

Não adianta negar!


Note, no exemplo, que não é preciso marcar a reação do personagem que fala ou do que rebate em todas as interações, pelo contrário – com cenas e falas bem escritas, provavelmente, diretor(a) e atores saberão como agir para realizar a cena da maneira indicada. 

Como muitas decisões no processo de escrita de um roteiro, suas escolhas devem ser pautadas no objetivo específico da cena, bem como no ritmo e nas necessidades narrativas. Não é desaconselhável indicar em rubricas ou parênteses (veja abaixo) alguma marcação crucial, porém, é melhor ter um bom motivo para isso. 

Há algumas indicações técnicas básicas da formatação de diálogos que valem a pena ser mencionadas. Caso queria indicar um Voice Over – isto é, uma narração, o pensamento de um personagem etc. – usase a abreviação V.O entre parênteses ao lado do nome do personagem:


NARRADOR (V.O)

Era uma vez, em uma galáxia distante...


Outra hipótese usual é quando se deseja marcar que o personagem de quem se escuta a fala não está na cena – alguém interagindo com um personagem que está trancado no banheiro, por exemplo. Neste caso utiliza-se a marcação OFF SCREEN, (O.S.):


INT. CASA DE FULANO /CORREDOR -DIA

Fulano bate na porta do banheiro. 


FULANO

Tudo bem aí?


CICLANO (O.S)

Mais ou menos. 


Assim como no caso das rubricas, escrever bons diálogos é fundamental para transmitir sua história da melhor forma. Futuramente, abordaremos em um artigo específico algumas dicas e técnicas específicas. 


4. Parênteses


Parênteses podem ser usados abaixo do nome do personagem para indicar sugestões de interpretação. Use-os com moderação, afinal é esperado que o ator que representará aquele papel saiba interpretar uma fala – este é o trabalho dele, não é necessário indicar um determinado sentimento se as palavras e a cena estão claras o suficiente. Por exemplo, se um funcionário recebe a notícia de que conseguiu uma promoção e responde com “Não acredito!”, não é necessário marcar que a fala é dita com felicidade ou animação. 

Use parênteses quando quiser marcar uma nuance não evidente da fala. Imagine, no exemplo citado acima, que o funcionário na verdade estivesse tentando ser demitido e recebesse a notícia da promoção e não pudesse demonstrar sua frustração publicamente, nesse caso, você poderia marcar entre parênteses que ele diz “Não acredito” (fingindo animação), por exemplo. 

Parênteses também podem ser usados em cenas com muitos personagens. Para esclarecer a quem determinada fala é direcionada, você pode marcar essa informação sob o nome do personagem “(para Fulano)”.

Por fim, é possível utilizar parentes para sugerir o ritmo da fala. Em falas muito longas, por exemplo, pode ser que determinada frase do discurso deve ser marcada com uma “(pausa)”, ou pode haver uma mudança emocional ou de tom da fala, marcada por um “(beat)”. Use este recurso com moderação, quando julgar estritamente necessário - certifique-se antes se não há maneira de a construção da fala deixar claro o ritmo ideal. 


5. Transições


Como vimos no artigo anterior, o formato do roteiro passou por muitas transformações ao longo do tempo. No período do continuity script, um tipo de roteiro repleto de informações técnicas, todas as cenas continham o tipo de transição a ser utilizadas, em geral “CUT TO” (CORTA PARA). Atualmente, essa indicação caiu em desuso. Indicar uma transição no roteiro só é recomendado em casos específicos, quando há um efeito narrativo importante que queira ser alcançado e precise ser marcado na história. Alguns exemplos básicos: marcar uma piada com um “CORTA PARA”, indicar que aquela transição especifica deve ser “FADE PARA”, etc. 


6. Formatação textual


O padrão Master Scenes possui uma série de regras de formatação, incluindo fonte específica (Courier New, tamanho 12, aliás), espaçamentos, capa etc. Porém, há uma série de programas direcionados justamente para a escrita de roteiros. O mais utilizado profissionalmente é o Final Draft, um programa pago. Para iniciar, há a versão gratuita do Writer Duet e também o Kit Scnerists. Qualquer desses programas cumprem muito bem a tarefa de facilitar a sua escrita no padrão Master Scenes, teste-os e escolha um com o qual se adapte melhor.  


Esses são os elementos fundamentais presentes em um roteiro escrito no formato Master Scenes. Como você deve ter notado, a padronização e a técnica da escrita de roteiros objetivam a clareza e a concisão. São ferramentas úteis para lhe indicar o caminho, não as considere como obstáculos intransponíveis, leia roteiros e pratique escrever no formato. Seguindo esses passos, dominar a escrita audiovisual será questão de tempo.



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